Exposição "A Céu Aberto" de Renata Laguardia
Exhibition
- Nome: Exposição "A Céu Aberto" de Renata Laguardia
- Abertura: 09 de março 2024
- Visitação: até 06 de abril 2024
Local
- Local: Galeria Izabel Pinheiro
- Online Event: No
- Endereço: R. Barra Funda, 849 - Santa Cecilia, São Paulo
A Céu Aberto de Renata Laguardia: Texto e curadoria de Carollina Lauriano
A mostra fica em exposição de 9 de Março até 6 de Abril na Galeria Izabel Pinheiro
Um dia desses ao ver o mundo/ com um pouco mais de tato/ percebi que de fato/ havia beleza sobrando nas coisas. / Até erva daninha que nasce e invade o espaço/ se pusermos bom reparo/ tem seu charme, seu trato. / O belo invade o mundo em seu escopo/ nos dando quase um soco/ esse olhar de gozo. /Mas de repente o olhar tropeça bem no meio/ do sujo, o ralo, o falho, o feio/ e a contragosto digerimos profundo: não só de belo vive o mundo.
- Renata Laguardia
Em O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir inaugurou um novo momento de
pensamento sobre a mulher na sociedade. Ao propor que as reflexões sobre as
mulheres e a diferença sexual fossem realizadas pela filosofia, a intelectual
colocou em questão toda a pretensão de neutralidade e objetividade em que se
baseava o pensamento humanista até então.
Em sua célebre frase “Não se
nasce mulher, torna-se mulher”, Beauvoir traz para o centro da discussão a
perspectiva que as visões dos indivíduos são socialmente e culturalmente
produzidas. Não se nasce com elas, mas se aprende através da socialização. E nesse
caso, o que Beauvoir aponta em seu livro, em resumo, é que as mulheres estavam
sendo condicionadas a performar certos papéis para que os homens pudessem se
manter dominantes.
Trago essas observações
anteriores porque, no meu ponto de vista, A
Céu Aberto, individual de Renata Laguardia, aponta um olhar para a
discussão do feminino sobre um ponto de vista que retoma Beauvoir em certo
sentido, ao mesmo tempo que atualiza a discussão, interseccionando o pensamento
da filósofa com novas propostas discursivas contemporâneas sobre patriarcado,
feminismos e novas-velhas formas de opressão e exploração.
Sem abandonar sua pesquisa
anterior sobre o olhar aprofundado e detalhista sobre a natureza e seus macro e
micro universos, nessa exposição a artista incorpora um novo campo de interesse
para suas pinturas. Nesse novo conjunto de obras preparadas para a exposição,
Laguardia apresenta algumas pinturas que introduzem um olhar questionador sobre
a maternidade. Ao tornar-se mãe - e aqui retomo o tornar-se de Beauvoir - a
artista passa a experienciar o mundo de uma outra forma e, a partir de certas
constatações sobre a maternidade - em especial a maternidade solo - passa a
tensionar esses aspectos dentro da sua pintura.
Na pintura que dá início à série,
observamos uma mulher segurando duas crianças. Nela, a figura central apresenta
um rosto que possui um semblante dúbio entre o afeto e o cansaço. Talvez seja
esse um primeiro índice de apontamentos desse cuidar maternal que interessa a
artista. Uma situação 'entre' que também será apontada nas pinturas que sucedem
a exposição.
Aqui, vale apontar também que
essa primeira pintura traz itens importantes para compreender o percurso da
mostra. Embora essa mulher-mãe aponte uma feição 'entre', há ali uma certa
calma, um certo controle e um certo equilíbrio, contenção a qual prevalece
sobre a composição da paisagem.
Mas a harmonia que parece
prevalecer entre esse encontro entre o feminino, o feminismo e a natureza vai
desaparecendo ao passo que vamos avançando na exposição adentro. Não que a
artista tenha uma grande pretensão de traçar grandes discussões acerca do ecofeminismo,
mas há ali um apontamento sobre um certo cansaço que paira sobre essa relação
assimétrica do cuidado.
Se tanto as mulheres, quanto a
natureza, estão à beira de um colapso, Laguardia vai fazendo esses apontamentos
ora de modo sutil, ora de modo direto. As figuras vão ficando mais curvadas, a
pintura mais soturna, agitada e de cores saturadas - como a própria artista
escreve na poesia que abre esse texto - denotando uma crescente inquietação
sobre uma luta que parece não ter dia e nem hora para acabar. Eis que o ápice
do frenesi de Laguardia chega com uma pintura, cujo título é "O fogo tem
me perseguido".
Nela, me parece um grito final de
Laguardia, que nem as pinturas, cujas palavras se fazem presentes, conseguem
transmitir tanta intensidade. Aqui, o fogo se transforma em uma fúria que não
pode mais ser contida. Fogo como aquilo que destrói, mas também como símbolo de
renascimento.
Mesmo sob duras críticas, O Segundo Sexo teve - e ainda tem - um
papel importante de discutir a condição da mulher na sociedade. Ainda que os
apontamentos de Simone de Beauvoir para a maternidade estivesse atrelada a uma
condição mais voltada para um olhar biológico - o que contemporaneamente é
necessário uma visão mais ampliada para mulheridades; o que quero aqui dizer é
que, independente a visão ainda restrita de Beauvoir sobre o assunto, ele ainda
é um tabu, especialmente no campo das artes.
Talvez por isso, Renata Laguardia nos traga um olhar inquietante sobre o assunto, no entanto a artista opta por pinturas que figuram entre um contexto ampliado e outras que trazem recortes bem diretos sobre a ambiguidade entre o amor, o cuidado e o peso da maternidade. É com essa perspectiva que a artista nos instiga a pensar: as dores e as delícias da maternidade e como esse assunto é mais coletivo do que imaginamos.
SERVIÇO
Exposição "A Céu Aberto"
Galeria Izabel Pinheiro
Período: 9 de Março até 6 de Abril
Entrada Gratuita
R. Barra Funda, 849 - Santa Cecilia, São Paulo
Terças 13h às 17h30
Quarta a sexta 12h às 18h
Sábado 11h às 17h30
@galeria_izabelpinheiro